Ano após ano, os debates sobre preconceito, falta de acessibilidade e a importância da inclusão social ganham cada vez mais força no Brasil. Hoje, depois de tempos difíceis para pessoas com deficiência, ainda é possível vislumbrar a esperança de um futuro mais inclusivo para todos. Claro, com um longo caminho a percorrer.
Nesta segunda-feira, 21 de setembro, é celebrado o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência. A data em comum com o Dia da Árvore e, também, com o início da Primavera, que acontece entre os dias 22 e 23, foi escolhida como sinônimo de renovações e reivindicações em defesa da igualdade e inclusão na sociedade.
Contudo — embora tenha sido instituída, de fato, em 14 de julho de 2005, pela Lei nº 11.133 no país — a data ganhou relevância ainda em meados de 1982, graças aos movimentos sociais que se destacavam na época. Antes mesmo do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência ser promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992.
O último censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que 23,9% da população possui algum tipo de deficiência; mais de 45 milhões no geral. Esse número é dividido em quatro principais dificuldades. Em primeiro lugar, a deficiência visual, que afeta quase 7 milhões, sendo 580 mil cegos. Em seguida, deficiência motora, auditiva e mental, respectivamente.
Com base nesse contexto dominado por inúmeras lutas inclusivas, após 15 anos de tramitação, uma conquista entrou em vigor no ano de 2016, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), nº 13.146/2015, que assegura e institui direitos básicos, como a educação, para pessoas com deficiência, além de promover a concepção de que o meio é deficiente, não as pessoas.
Ou seja, mesmo com amparo do sistema, ainda é notório que muita coisa precisa evoluir — em tese, com propostas mais assertivas e acessíveis do Governo e, também, da população para estimular a igualdade. A percepção para esse grande grupo de deficientes no Brasil é uma só, ainda existe um percurso cheio de obstáculos pela frente e que precisa da atenção de todos.
A qual “bolha” você pertence?
Apesar de boa parte da população brasileira ter algum tipo de deficiência, essas pessoas ainda fazem parte de uma “bolha” distinta para muita gente, como explica a paulistana Fábia Cristina, 50, que aos 46 anos desenvolveu uma doença autoimune e perdeu a visão total dos olhos: “Nós sempre vivemos situações em que nos sentimos pouco olhados pela sociedade. Depois da deficiência, fui descobrindo coisas que nunca imaginei que existissem. Coisas que, quem está em uma bolha, nem faz ideia”.
Neste ponto, a “vulnerabilidade” desse público acontece, principalmente, por suas características físicas, o que também é conhecido como estigma social. Com ele, outras questões vêm à tona, como o preconceito e falta de ênfase na causa. Para Fábia, que é atendida pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, referência na inclusão de pessoas com deficiência visual, com cursos livres que vão de informática até massoterapia, a mídia e a internet são muito importantes no cenário atual.
“No dia a dia, as pessoas não pensam no deficiente. Em nenhum tipo de deficiente. Digo por mim mesma, ninguém da minha família tinha deficiência, nenhum conhecido, então a vida te engole e você não percebe. Para muita gente, a sensibilização só acontece quando afeta alguém próximo. Do contrário, você vai deixando sempre para depois. Quanto mais falamos no assunto, e é aí onde entra o papel da mídia, as pessoas também param para pensar”, relata ao blog.
Há pouco mais de 10 anos trabalhando no segmento, Kely Magalhães, gerente de Serviços de Apoio à Inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos, em São Paulo, e responsável por todos os serviços diretos para a pessoa com deficiência visual, é uma das convidadas do Blog Farmácia Indiana e também fala sobre inclusão: “O conceito de inclusão está além da integração do sujeito, mas perpassa a empatia e traz dignidade a pessoa em questão.”
“Os desejos de qualquer pessoa — seja ela com ou sem deficiência — é ter os acessos básicos de saúde, educação, informação, lazer, cultura e, claro, com o máximo de autonomia e independência. Este processo é de responsabilidade de todos: da pessoa com deficiência, das instituições, do Governo e da sociedade como um todo. Que sejamos agentes ativos dessa transformação”, enfatiza.
Acessibilidade é um direito de todos
Direito de todos, a acessibilidade é um tema que gera muitos debates, porque ainda não chega nem perto do que deveria ser. Em locais públicos e locais privados, muitas vezes o direito de ir e vir é prejudicado e pessoas com deficiência precisam driblar inúmeras questões para fazer coisas básicas de sua rotina. Na internet, o assunto não é diferente. A tecnologia demorou muito tempo para começar a dar atenção às pessoas com deficiência.
“Não nasci com deficiência visual. Eu tinha uma vida normal, muito ativa. Gerenciava a área operacional de uma empresa, tinha várias responsabilidades. Mas da noite para o dia, acordei sem enxergar. De lá para cá, comecei a pensar nessa nova realidade. No começo, é bem difícil, mas eu vi que dá para ter acesso ao celular, às redes sociais, à leitura através de audiolivros, por exemplo”, diz Fábia Cristina.
“Além deles, também gosto muito de séries e filmes, mas nós temos poucos programas com audiodescrição no Brasil. O ideal seria que tivéssemos disponível o que todo mundo têm acesso. Todos os gêneros, todos os filmes, todas as séries. Quem tem uma situação financeira mais tranquila, tem acesso a recursos de maior qualidade na tecnologia, mas para quem não tem, ainda é bem difícil”, completa para o Blog da Farmácia Indiana.
Fábia diz que para ela, apesar de ter sofrido com algumas restrições à tecnologia, como o problema com a audiodescrição, o processo de reabilitação foi mais fácil por contar com o apoio de seu marido, que trabalha com informática. No entanto, ela relata que muitos deficientes não têm os mesmos recursos: “Mesmo depois de perder a visão, eu continuei utilizando o celular normalmente. Muitas pessoas ainda relatam o problema e não conseguem usar mais o aparelho”, lembra.
Disponibilizando serviços voltados para favorecer a inclusão da pessoa com deficiência nos diversos âmbitos da sociedade para possibilitar autonomia, independência e garantir qualidade de vida, a Fundação Dorina oferece programas de habilitação e reabilitação, oficinas de inclusão digital, biblioteca circulante, Dorinateca e a rede de leitura inclusiva. Kely Magalhães ressalta quais são os cursos livres com ênfase em empregabilidade da Fundação:
- Informática básica — ferramenta básica para o mundo do trabalho
- Rotinas Administrativas — toda rotina de um auxiliar administrativo nos diversos ambientes
- Atendimento ao Cliente — Técnicas de atendimento de excelência (presencial, teleatendimento e digital)
- Massoterapia — Técnicas de Quick Massage e Reflexologia
- Empreendedorismo — Que atua no desenvolvimento do perfil empreendedor
“Todos os cursos contam de oficinas de empregabilidade para questões comportamentais, desenvolvimento de competências (criatividade, liderança, dinamismo, raciocínio lógico etc.), questões relacionadas à perda visual e outras temáticas. Após a conclusão, automaticamente nossos alunos entram em nosso banco de talentos, por meio do qual a área de Empregabilidade os conecta com empresas parceiras e possíveis vagas de trabalho”, pontua.
Para contribuir e saber mais, acesse o site oficial da Fundação Dorina Nowill para Cegos.
21 de setembro, o Dia da Nacional Luta da Pessoa com Deficiência
Para Fábia, a data não resolve todos os problemas para as pessoas com deficiência, mas já é um impulso significativo: “Quando o dia acaba, todo mundo volta para sua rotina. Mesmo assim, essa data é de extrema importância, porque faz com que as pessoas façam doações, se sensibilizem, divulguem e engajem na causa. Quando a mídia e a internet trazem isso à tona, o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência vai crescendo cada vez mais”, relata à Farmácia Indiana.
“Podemos ter como exemplo, o Outubro Rosa e o Câncer de Mama, que são muito noticiados e antes só se falava nisso. Agora, a data ainda é muito engajada, mas não só ela. Para cada mês, temos uma campanha. E dá para perceber que as pessoas estão parando para pensar mais sobre isso. Quando a causa é esquecida, saímos na rua e parecemos invisíveis. As pessoas não sabem como reagir e fazem de conta que não estão nos vendo. A informação é muito importante” completa.
A gerente de Serviços de Apoio à Inclusão, Kely Magalhães também acredita que a data é de máxima importância e que ao longo do tempo, evoluções ligadas à inclusão social estão sendo cada vez mais perceptíveis. “O Brasil conta com cerca de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa uma boa parcela da sociedade que, como Sujeitos de Direitos, precisa ter seu espaço garantido”, explica.
“A deficiência está no espaço. Se o mesmo é adequado — não necessariamente adequação física apenas, mas atitudinal principalmente — não há deficiência, porque acreditamos no potencial humano, tenha ele uma deficiência ou não. Avançamos sim, houve visibilidade maior ao público em questão, às necessidades de adequações, ao potencial de cada um e movimentos a partir de então políticas públicas”, relata Kely, que afirma existir um longo caminho a percorrer ainda.
A luta pela igualdade para todos
“As pessoas precisam entender que perder um sentido — como a visão, no meu caso — não faz ninguém inferior. Precisamos de estímulo e de um olhar de igual para igual. Assim, conseguimos desenvolver outros sentidos para “suprir” essa falta. Eu, por exemplo, gosto muito de artesanato e continuo fazendo alguns trabalhos, mas muitas pessoas questionam como isso é possível”, diz ao blog.
“Muita gente pensa que você só pode fazer as coisas se estiver com todos os sentidos. Ou você é completo ou você é inferior. Na verdade, não existe isso. As pessoas precisam deixar de olhar para o deficiente, seja qual for a sua deficiência, com inferioridade. Nós precisamos de igualdade. Com os recursos certos, o deficiente é capacitado para fazer o que qualquer outra pessoa faz. Nós já sabemos que vai ser mais difícil, por isso nos doamos muito mais”, finaliza Fábia.
Sem elencar “A” ou “B”, é possível seguir uma diretriz que não separa a população por suas condições físicas ou mentais. E isso pode começar por você, com uma linguagem inclusiva ou na aplicação de tantas outras formas de diminuir esse “muro”. No seu comércio, na sua ida ao escritório ou na criação de algo útil e acessível para toda a população, por exemplo.
O papel da Farmácia Indiana é conscientizar a população a respeito do capacitismo e da discriminação contra o deficiente, muito presentes no Brasil. Abordar e refletir sobre a importância de incluir e respeitar pessoas com deficiência sem a perspectiva de fragilidade ou incapacidade é o nosso objetivo. Hoje, neste 21 de setembro, desejamos que a mensagem seja passada de forma clara e assertiva a todos.